Violência no Rio expõe a falência da guerra às drogas



“Só existe uma maneira de conter a violência do Rio que é promover o debate sobre a legalização das drogas”. A frase é do delegado da polícia civil Orlando Zaccone em entrevista ao jornal Brasil de Fato. Concordo com ele. De certa forma resume o que eu queria dizer aqui no blog sobre a Guerra do Rio, cada vez mais escancarada e que teve recentemente um triste capítulo com os tiroteios entre policiais e traficantes no conjunto de favelas do Cantagalo- Pavão-Pavãozinho, na zona sul.
Três mortos contabilizados, o comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) local ferido, um corpo que despencou de um despenhadeiro, helicópteros, TVs ao vivo, moradores acusando policiais ‘do choque’ por invasão de domicílios e agressões a trabalhadores. É a infindável Guerra do Rio, agora retomada com a falência do Estado e a aparente impossibilidade de sustentar as chamadas UPPs, espalhadas por quase 40 comunidades. É crise brava com potencial para afetar diretamente a vida de dezenas de milhares de pessoas que deverão sofrer com a instabilidade no “domínio’ de vários territórios na cidade. Como pano de fundo, o dinheiro oriundo do tráfico de drogas.
As UPPs nasceram em 2008. A primeira foi instalada perto de onde moro, na favela Santa Marta, em Botafogo. É uma comunidade pequena. Desenhadas para serem uma nova interface do Estado com as populações de favelas, as UPPs serviriam, de início, para localidades menores. Aproximavam-se, de certa forma, do conceito de polícia comunitária. Um projeto, porém, que não teve tempo de maturação, como já apontava, em 2014, Itamar Silva, jornalista e morador do Santa Marta, em entrevista para o Canal Ibase:
“Este experimento (a UPP) se tornou uma bandeira política muito rapidamente. O que foi, na verdade, um grande prejuízo (…) A UPP foi lançada em dezembro de 2008 no Santa Marta. Em janeiro já era o projeto mais importante do governo do Estado. Não houve tempo para maturação. O próprio Estado embarcou nesta canoa, incensado pela mídia a uma experiência exitosa”.
Do pequeno Santa Marta as UPPs expandiram-se para favelas da cidade, entre elas as do Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, e para grandes áreas como o Complexo do Alemão. Neste ‘complexo’, que fica na zona norte e onde o governo também construiu um teleférico, as UPPs nunca de fato se consolidaram. Há muito tempo acontecem tiroteios e mortes, tendo o tráfico, de fato, nunca deixado de operar. Quem mais sofre é o morador. Sofrimento, no mais das vezes, que não aparece nas TVs e jornais locais.
Embora uma intervenção muitas vezes avaliada como ‘positiva’, as UPPs, na verdade, entraram e entram na lógica mais ampla da lógica da guerra às drogas. Areia movediça que parece engolir as melhores das intenções. Quem de fato ganha com a dinâmica do confronto? Alguns anos atrás, entrevistando um ex-diretor geral da Polícia Federal, ele me contou que havia prendido no Ceará um traficante dos cartéis colombianos, que lhe contara que o problema do narco, naquela época, era que o dinheiro, abarrotado em armazéns, estava fisicamente se estragando, como frutas. Daí a necessidade urgente de colocá-lo no sistema financeiro: lavar o dinheiro é tão importante quanto vender a droga, me disse o policial.
Como enfrentar militarmente um business que gera papel-moeda abarrotada em armazéns, dinheiro que compra policiais, políticos, juízes, tanto no Rio como em qualquer cidade brasileira?
Parece evidente que s principais beneficiários do tráfico, os que mais lucram, não estão dependurados em desfiladeiros trocando tiros com a polícia. Polícia que também faz parte do problema, como destacou recentemente o relatório “O Bom Policial Tem Medo” da Human Rights Watch. Escreveu a Human Rights a partir do depoimento de um policial que permaneceu anônimo: “Ele disse que, toda semana, seu batalhão recebia por volta de 120.000 reais (aproximadamente US$ 34.000) de traficantes de drogas que operavam em dezenas de favelas. “O dinheiro era pago para não entramos nas favelas, ou para avisarmos antes de entrar”, disse ele. Esse acordo é tão comum no Rio de Janeiro que tem até nome: o arrego”.
A questão da segurança no Rio de Janeiro e nas metrópoles brasileiras é complexa. Não há soluções fáceis. Muitas vezes fica difícil distinguir mocinhos de bandidos, ainda mais quando crime organizado e tráfico de drogas (ou seja: $$$) estão envolvidos. Debater a descriminalização do consumo individual de drogas, me parece, é um bom começo. É reconhecer, como já acontece em muitas partes do mudo, que a lógica da guerra fracassou. Que é preciso buscar caminhos radicalmente novos para lidar com o problema. Por ora, quem paga o preço maior é a população, incluindo aí milhares de policiais honestos Brasil afora que se vêem cotidianamente diante da tarefa de enxugar uma gigantesca montanha de gelo. Até quando?

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